sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Bromélias: Importância Ecológica e diversidade.

Pós-graduação do Instituto de Botânica de São Paulo


Curso de Capacitação de Monitores - Estágio de Docência
Bromélias: Importância Ecológica e diversidade.
Taxonomia e Morfologia

Introdução
A família Bromeliaceae Juss. possui 3010 espécies distribuídas em 56 gêneros (Luther 2004). Está tradicionalmente dividida nas três subfamílias Pitcairnioideae, Tillandsioideae e Bromelioideae.
É uma família essencialmente neotropical com exceção de uma única espécie, Pitcairnia feliciana (A. Chev.) Harms & Midbr., que ocorre no oeste do continente africano (Smith & Downs 1974).
As espécies de Bromeliaceae ocorrem em latitudes tropicais e subtropicais das Américas entre os paralelos 37o N e 44oS nas mais variadas condições de altitude, temperatura e umidade (Wendt 1999).
A família destaca-se como um dos principais componentes da flora e da fisionomia dos ecossistemas brasileiros abrigando aproximadamente 36% das espécies catalogadas. Possui vários gêneros endêmicos, alguns deles encontrados exclusivamente na Floresta Atlântica (Martinelli, 1994).
Bromeliaceae é constituída por plantas terrestres, rupícolas e epífitas, geralmente herbáceas, variando de plantas delicadas e de pequeno porte, como Tillandsia recurvata (L.) L., com alguns centímetros de comprimento, até plantas de grande porte, como Puya raimondii Harms, encontrada nos Andes, que chega a atingir mais de 10 metros de altura (Smith & Downs 1974; Reitz 1983).
Os representantes da família apresentam em geral inflorescência vistosa e folhas distribuídas em roseta, usualmente com bainha alargada na base, propiciando a formação de um reservatório de água e nutrientes (Reitz 1983), cujo papel eco fisiológico é de grande importância, tanto na nutrição das bromélias, como em constituir
um micro ambiente onde habitam animais diversos, desde formigas, sapos, aracnídeos, serpentes, dentre outros.
A família apresenta grande variabilidade de formas, sendo em geral plantas bem características e ornamentais. Segundo Rizzini (1997) e Benzing (2000) os diferentes habitats e, especialmente, a natureza do substrato influenciam no aspecto da planta, que pode variar amplamente em tamanho e coloração das folhas, assim como na morfologia das flores.
A importância econômica da família Bromeliaceae é referida como plantas ornamentais, sendo atualmente muito cultivadas e utilizadas em decorações de interior e projetos paisagísticos. Em função da grande procura pelas bromélias de valor ornamental, o extrativismo de seus ambientes naturais tem se intensificado nos últimos anos, colocando algumas espécies com maior grau de ameaça.
A importância econômica das bromélias é destacada pelo delicioso fruto do abacaxi, Ananas comosus (L.) Merril, muito apreciado na alimentação, como produtora de bebidas, doces e sobremesas.
Outra espécie de grande valor econômico é o “caroá-verdadeiro”, Neoglaziovia variegata (Arr. Cam.) Mez, utilizada como produtora de fibras. Na medicina natural, como digestiva, depurativa e com outras funções, tem-se o uso da enzima “bromelina”, presente em algumas espécies do gênero Bromelia.
O tratamento taxonômico mais abrangente para a família foi realizado por Smith & Downs (1974, 1977, 1979), que apresentaram a monografia das três subfamílias em três volumes como parte da monografia de Bromeliaceae para a Flora Neotropica. Nesta obra foram referidas cerca de 2.000 espécies, número bastante ampliado em função dos trabalhos posteriores e das novas espécies descritas, atingindo no momento mais de 3.000 espécies para a família.
Outros trabalhos podem ser citados como o de Reitz (1983) que realizou o estudo das bromeliáceas do Estado de Santa Catarina, com a apresentação de 100 espécies incluídas em 15 gêneros. Atualmente, os estudos florísticos que envolvem a família como revisões genéricas, vem ampliando consideravelmente na última década o conhecimento desta importante família neotropical.
A família Bromeliaceae no Estado de São Paulo
No Estado de São Paulo a família está representada por ca. 140 espécies distribuídas em 19 gêneros, em fase de conclusão, e fará parte do volume 5 da obra “Flora Fanerogâmica do Estado de São Paulo”, coordenada pela Dra. Maria das Graças L. Wanderley, pesquisadora do Instituto de Botânica.
Dentre os levantamentos florísticos realizados no Estado, destacam-se a “Flora Fanerogâmica da Ilha do Cardoso”, onde foram encontradas 42 espécies distribuídas em 13 gêneros, publicada em 1992, e a “Flora Fanerogâmica da Reserva do Parque Estadual das Fontes do Ipiranga (PEFI)”, com a ocorrência de nove gêneros e 30 espécies, publicada em 2000. Abaixo segue relação das espécies da flora do PEFI.
Aechmea bromeliifolia (Rudge) Baker
Tillandsia stricta Soland.
Aechmea coelestis Wawra
Tillandsia tenuifolia L.
Aechmea disticantha Lem.
Tillandsia usneoides (L.) L.
Aechmea nudicaulis (L.) Griseb.
Vriesea bituminosa Wawra
Ananas bracteatus (Lindl.) Schult.f.
Vriesea carinata Wawra
Billbergia amoena (Lodd.) Lindl.
Vriesea drepanocarpa (Baker) Mez
Billbergia distackia (Vell.) Mez
Vriesea ensiformis (Vell.) Beer
Bromelia antiacantha Bertol.
Vriesea erythrodactylon (E. Morr.) Mez
Nidularium innocentii Lem.
Vriesea friburguensis Mez
Quesnelia humilis Mez
Vriesea gigantea Gaud.
Dyckia tuberosa (Vell.) Beer
Vriesea heterostachys (Baker) L.B. Sm.
Tillandsia dura Baker
Vriesea incurvata Gaud.
Tillandsia gemeniflora Brong.
Vriesea paraibica Wawra
Tillandsia linearis Vell.
Vriesea schwakeana Mez
Tillandsia recurvata L.
Vriesea simplex (Vell.) Beer
*As espécies em negrito não foram mais encontradas na região há mais de 50 anos, sendo possivelmente extintas para estas localidades.
Morfologia
Hábito
As espécies de Bromeliaceae apresentam em geral hábito herbáceo, entretanto, pode ocorrer raramente o hábito lenhoso em espécies andinas pertencentes ao gênero Puya. As espécies deste gênero como Puya raimondii, podem ultrapassar 10m de altura. Entretanto, prevalecem na família plantas de pequeno a médio porte. Em Tillandsia usneoides ocorre a formação de plantas pendentes, como uma longa cortina, muito peculiar nas formações florestais, onde a mesma vive como epífita.
Os representantes da família podem ser terrestres, epífitas ou rupícolas, com caules geralmente contraídos (Fig. 1). Presença de rizomas horizontais ou estolões é característica de alguns gêneros e espécies. Existe presença de longos estolões formando touceiras com projeções de suas rosetas, dando um aspecto bem característico (Fig. 2).
Fig. 1.: A. Caule. W. Raízes Fig. 2.: A. Estolões, R. Rizomas
Raízes
As raízes em Bromeliaceae (Fig. 1) podem ter função apenas de fixação nas espécies atmosféricas, ocorrendo em representantes de Tillandsia. Nestas espécies a absorção de água e nutrientes é efetuada através de escamas absorventes (Fig. 3), num mecanismo de osmose. Portanto, as escamas em Bromeliaceae exercem importante papel eco-fisiológico.
Folhas
As folhas se dispõem espiraladamente e de forma imbricada formando uma roseta, que varia amplamente quanto a morfologia, algumas vezes tubulares (Fig. 2) até amplamente abertas. Pela forma da roseta e disposição imbricada das bainhas é freqüente a formação de um “vaso” ou “tanque”, recipiente que permite o acúmulo de água e nutrientes, permitindo a instalação de uma flora e fauna neste micro-habitat. Pode ocorrer também representantes com folhas dísticas, comum no gênero Tillandsia (Fig. 3), nestes casos sem formação de roseta e tanque.
As folhas podem apresentar margens lisas a espinescentes, características importantes no reconhecimento das subfamílias e gêneros. Na superfície foliar a presença de indumento formado pelos tricomas absorventes (Fig.4). Em algumas espécies este indumento é muito conspícuo e de cor argêntea, especialmente em espécies de Tillandsia e Dyckia.
As escamas foliares (Fig. 4) são compostas de duas unidades o pedículo e o escudo, desempenhando importante função na absorção de água e nutrientes e na proteção contra a dessecação em ambientes com restrição hídrica. A coloração argêntea aumenta a reflectância da luz solar na superfície foliar minimizando a transpiração.
Fig. 3: Tillandsia sp. Fig. 4: Escamas de Tillandsia sp.
Inflorescências
A inflorescência em Bromeliaceae é em geral muito vistosa pelo colorido das flores e das brácteas. São terminais ou laterais, simples (Fig. 3) ou composta , dispostas em panícula, racemo ou capítulo, mais raramente as flores são isoladas (Tillandsia usneoides).
A inflorescência pode ser séssil ou mais comumente ser sustentada por um eixo de origem caulinar, o escapo, parcial ou totalmente recoberto por bráctea, que são em geral vistosas, brilhantes e coloridas. Estas brácteas, juntamente com as flores coloridas, exercem papel importante na atração de polinizadores, destacando-se na família a ornitofilia.
Flores
As flores são trímeras, com perianto diferenciado em cálice e corola; hermafroditas ou muito raramente funcionalmente pistiladas ou estaminadas; actinomorfas a zigomorfas. Possuem sépalas livres ou concrescidas na base, simétricas a fortemente assimétricas; pétalas livres ou parcialmente soldadas, algumas vezes providas de um par de apêndices membranáceos na face interna (Fig. 9); estames seis, dispostos em duas séries, filetes livres ou concrescidos, algumas vezes adnatos à corola formando um tubo; ovário súpero (Fig. 5), semi-ínfero ou ínfero, trilocular, placentação axial (Fig.5); estilete simples, estigmas três.
Fig. 4: Flor trímera de Vriesea sp. Fig. 5: Corte longitudinal
Fruto e Sementes
O fruto pode ser seco, cápsula septicida ou mais raramente loculicida, ou ser carnoso, baga. As sementes podem apresentar apêndices que podem ser plumosos (Fig. 6) ou aliformes, ou serem desprovidas de apêndices. Na subfamília Pitcairnioideae ocorrem sementes aladas. Em Tillandsioideae as sementes são plumosas e nas Bromelioideae as sementes não possuem apêndices.
Polinização e Dispersão
A grande maioria das espécies é polinizada por beija flores, pela atração das brácteas vistosas e coloridas e pela presença de néctar abundante. Os morcegos também são importantes agentes polinizadores, pela presença de odor forte em muitas flores de antese noturna. Além da ornitofilia e quiropterofilia são referidos outros tipos de polinização por borboletas, abelhas e besouros.
A dispersão está diretamente relacionada aos diferentes tipos de frutos presentes na família. A dispersão das sementes aladas ou plumosas presentes no fruto cápsula é auxiliada pelo vento, e no caso das bagas suculentas, cujas sementes não possuem apêndices, a dispersão é feita auxiliada por animais.
Fig. 6: Sementes com apêndices plumosos
Propagação
A propagação pode ser feita assexuada ou sexuadamente. Na reprodução assexuada, ou vegetativa, formam-se brotos a partir da planta mãe, que podem sair da base da planta por estolhos (Fig. 2) ou rizomas, ou do interior da própria roseta. A formação de estolhos é característica para algumas espécies.
A reprodução sexuada, ou por sementes é freqüente em representantes da subfamília Tillandsioideae, onde as sementes podem germinar na própria planta mãe ou serem dispersas a longa distância.
Grãos de pólen
O padrão dos grãos de pólen enquadra-se em três tipos polínicos de acordo com padrão de abertura e a escultura da exina (Ehler & Schill 1973). A subfamília Bromelioideae possui grãos de pólen irregularmente monocolpados, monocolpados típicos e porados. Nas subfamílias Pitcairnoideae e Tillandsioideae predominam grãos de pólen monocolpados.
Dyckia encholirioides (Pitcairnioideae) Neoregelia johannis (Bromelioideae)
Estudos da Taxonomia na Família Bromeliaceae
A família Bromeliaceae é tradicionalmente dividida nas subfamílias Pitcairnioideae, Tillandsioideae e Bromelioideae. Recentemente com base em dados moleculares existe uma proposta de subdividir a subfamília Pitcairnioideae em outras subfamílias, entretanto será apresentado abaixo a caracterização das três subfamílias acima citadas.
Chave para as subfamílias
1. Margens foliares serrilhadas ou espinescentes; ovário ínfero ou semi-ínfero; fruto baga; sementes sem apêndices........................................................... Bromelioideae.
1’. Margens inteiras a espinescentes; ovário súpero ou raramente semi-ínfero; fruto cápsula; sementes com apêndices.
2. Plantas geralmente epífitas; folhas com margens inteiras; sementes com apêndices plumosos. .................................................................................... Tillandsioideae.
2’. Plantas geralmente terrestres; folhas com margens espinescentes, serrilhadas ou raramente lisas; sementes aladas ou com outros tipos de apêndices. .....................
....................................................................................................... Pitcairnoideae.
Bromelioideae
Esta subfamília possui cerca de 30 gêneros e ca. de 425 espécies. Caracteriza-se pelo fruto baga, ovário ínfero e sementes sem apêndices. Bromelia (36) ocorre na América do Sul com folhas fortemente espinescentes e sépalas adnatas às pétalas. Nidularium (43) possui folhas formadoras em geral de “tanque” e inflorescência nidular. É exclusivamente brasileiro. Aechmea (135) apresenta apêndices petalíneos. Ananas (3) tem uma coroa de brácteas no ápice do fruto. Outros gêneros da subfamília: Billbergia, Orthophytum e Quesnelia.
Tillandsioideae
Possui plantas essencialmente epífitas; folhas com margem inteira; ovário súpero ou raramente semi-ínfero (Glomeroptcairnia); sementes com tufos de apêndices
plumosos nas extremidades. Possuem nove gêneros e ca. de 675 espécies. Tillandsia é o maior gênero (400), em seguida Vriesea (220). Alguns subgêneros foram elevados a gênero como Racinaea de Pseudo-catopsis e Alcantarea de Vriesea.
Pitcairnoideae
Caracteriza-se pelas flores hipóginas (ovário súpero), fruto cápsula com sementes geralmente providas de alas ou outros apêndices. A subfamília inclui plantas terrestres, geralmente folhas com espinhos nas margens. Possuem cerca de 13 gêneros com 420 espécies. O maior gênero é Pitcairnia (185), um gênero Andino com representantes no Brasil. Apresentam flores levemente zigomorfas e cápsula septicida. Muitas espécies ocorrem sobre rochas e poucas são epífitas. Algumas espécies são grandes e com base lenhosa e inflorescência muito ramificada, outras são pequenas e possuem folhas sem espinhos. Puya (90) e Dyckia (75) e vários outros gêneros têm cápsula septicida ou loculicida e flores actinomorfas.
Bibliografia consultada:
BENZING, D.H. 2000. Bromeliaceae: profile of na adaptative radiation. Cambridge University Press. New York. 690p.
EHLER, N & SCHILL, R. 1973. Die Pollenmorphologie der Bromeliaceae. Pollen et Spores 15(1): 13-45.
LUTHER, 2004. An alphabetical list of Bromeliad binomials. , 9th ed. The Bromeliad Society International, Sarasota. 109p.
MARTINELLI, G. 1994. Reproductive Biology of Bromeliaceae in the Atlantic Rain Forest of Southeastern Brazil. Dissertação de Doutorado. University of St. Andrews, St. Andrews, 197p.
REITZ, R. 1983. Bromeliáceas e a malária – bromélia endêmica. Fl. Ilustr. Catarinense, Parte. Fasc. Brom.: 518p.
RIZZINI, C.T. 1997. Tratado de Fitogeografia do Brasil: aspectos ecológicos, sociológicos e florísticos. Rio de Janeiro. 2ª ed. Âmbito Cultural Edições Ltda. 747p.
SMITH, L.B. 1934. Geografical evidences on the lines of evolution in the Bromeliaceae. Botanischer Jahrbericht 66: 446-468.
SMITH, L.B. & DOWNS, R.J. 1974. Pitcairnoideae. (Bromeliaceae). Fl. Neotrop. Monagr. 14 (1): 1-658. The New York Botanical Garden, New York.
________________________. 1977. Tillandsioideae. Fl. Neotrop. Monagr. 14 (2): 663-1492. The New York Botanical Garden, New York.
________________________. 1979. Bromelioideae. (Bromeliaceae). Fl. Neotrop. Monagr. 14 (3): 1493-2142. The New York Botanical Garden, New York.
WANDERLEY, M. G. L.; SHEPHERD, G. & GIULLIETTI, A. 2001. In Wanderley et al. eds. Flora Fanerogâmica do Estado de São Paulo, vol.1 – Poaceae (Introdução) p. XVII-XXI.
WANDERLEY, M. G. L. & MOLLO, L. 1992. Bromeliaceae. In M. M. F. Melo; F. Barros; M. G. L. Wanderley; M. Kiruzawa; M. Kiruzawa; S. L. Jung- Mendaçolli & S. A. C. Chiea (eds.). Flora Fanerogâmica da Ilha do Carodoso (São Paulo, Brasil). Instituto de Botânica (3): 90-140.
WANDERLEY, M. G. L. & MOREIRA, B. A. 2000. Flora Fanerogâmica do Parque Estadual das Fontes do Ipiranga (São Paulo, Brasil): 178-Bromeliaceae. Hoehnea 27(3): 259-278, 7 fig.
WENDT, T. 1999. Hibridização e isolamento reprodutivo em Pitcairnia (Bromeliaceae). Dissertação de Doutorado. Universidade Federal do Rio de Janeiro. 141p.
Ilustração:
RAUH, W. 1990. The Bromeliad Lexicon. University of Heidelberg, Germany. 2 ed. Ed.

Nenhum comentário:

Postar um comentário